Para quem não se lembra, o filme Central do Brasil tem como trecho final o retorno de Dora (Fernanda Montenegro) para o Rio de Janeiro após deixar Josué (Vinicius de Oliveira) no nordeste, acompanhado de seus irmãos. Quem conhece o filme vai se lembrar. Quem não conhece, deve conhecer.
Nessa passagem, Dora escreve uma carta para Josué, de dentro do ônibus. A carta, dita em voz alta pela atriz, vai acompanhada da canção tema do filme e traz, nas suas palavras, muitas verdades. Não do que é oposto ao falso. Mas do que constitui o ser e o sentir. Intensidade sobre o que foi e o que será.
Quando a fase é de transição (Rio Grande do Sul - Minas Gerais - Espanha), de decisão, às vezes uma coisa lá dentro nos pede por uma guinada. E essa mesma "coisa" nos aflige (inclusive fisicamente) com o medo do que virá em seguida. É a luta do crescer, do enfrentar. São os rostos da saudade (do eu-antes) e do novo (eu-depois), que pedem para juntar as duas coisas, para estarem juntos.
Em Madrid, sigo me encontrando comigo mesmo no pensamento e no enfrentamento. Como diz uma amiga minha, não é para pensar que tudo vai dar certo. "Tudo já deu certo".
Y lo que pasa es esto, la mezcla de dos cosas distintas y fuertes: saber ao mesmo tempo do privilégio de estar aqui e da necessidade de compreender estar aqui.
E a carta...
"Josué,
Faz muito tempo que eu não mando uma carta pra alguém. Agora eu estou mandando essa carta pra você. Você tem razão. Seu pai ainda vai aparecer e, com certeza, ele é tudo aquilo que você diz que ele é. Eu lembro do meu pai me levando na locomotiva que ele dirigia. Ele deixou eu, uma menininha, dar o apito do trem a viagem inteira. Quando você estiver cruzando as estradas no seu caminhão enorme, espero que você lembre que fui eu a primeira pessoa a te fazer botar a mão no volante. Também vai ser melhor pra você ficar aí com seus irmãos. Você merece muito muito mais do que eu tenho pra te dar. No dia que você quiser lembrar de mim, dá uma olhada no retratinho que a gente tirou junto. Eu digo isso porque tenho medo que um dia você também me esqueça. Tenho saudade do meu pai, tenho saudade de tudo.
Dora"
Um comentário:
Fred, deixa ver como eu começo isso... Bom, começo te dizendo que fiquei um tanto emocionado ao ler esses escritos sinceros de quem está "sob experiência", em pleno curso desse vão que a palavra ajuda a atravessar. Já vi tuas fotografias com a felicidade costumeira de te ver, mas agora leio o que você escreve com especial orgulho e alegria, que é de te flagrar, como você mesmo diz, intenso, na elaboração de um eu-todo-tempo que a sua travessia produzirá. Então escrevo para te desejar ser o resultante da experiência que vive, ser o filho dos seus acontecimentos.
Com a admiração e a amizade de sempre,
Trovão
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