Na vida da gente há fases. Períodos que nos preenchem de tal forma que, mesmo quando já são nostalgia, não deixam de perpetuar nossa essência. Pois, mais que marcar nossa unidade (se é que ela existe...), são essenciais. Eu, na minha existência, tenho uma faixa temporal assim. Que me compõe. Um tempo que tem nome. Tempo da "Tia Fátima". Onze anos muito, muito importantes. Extraordinários. Que atravessaram minha infância, adolescência e juventude. Que me fizeram - muito - o homem que sou.
"A" tia não era minha parente de sangue. Surgiu para mim nesses trajetos sem explicação já marcados para serem, como ela dizia. Confidente, conselheira, alma-gêmea, sei lá... Era um amor meio inexplicável. Era amor. Eu sei. Maternal, fraterno, um tanto de amor. Era privilégio de amar pelo sentimento do ser. Gostar de alguém. Adotar uma pessoa pelo sentir.
A tia era sinônimo de colo, palavra amiga. Foi afago para as minhas primeiras angústias, dúvidas. Foi sabedoria partilhada sobre minhas "primeiras vezes" e "primeiros marcos". Festas, bailes, carnavais, reveillons..., relacionamentos...
Tive o provilégio de tê-la e tenho o privilégio de continuar com ela. Tanto na memória, quanto na segunda família que ela me deu. Uma família inteira de tios, primos, tias, primas... E amigos, e amigas... Tenho o luxo de ter por ela uma segunda cidade, minha por coração e opção. Conselheiro Lafaiete, lá em Minas...
Hoje seria aniversário da tia. 07 de janeiro. No último que comemoramos, ela fez uma grande festa. Seus 50 anos. Isso foi em 2001. Meses antes dela partir. Lá pra onde ela permanece a nos ver e a nos escutar. Prestigiar-nos, eu diria. Zelo de longe, que eu sinto não pela crença, mas pela minha essência (como eu dizia agorinha...). Certeza - essencial - que tenho comigo; do que sou, pelo que fui e que me acompanha.
Passados quase nove anos dessa partida, que eu entendi e aceitei com o tempo (outro tempo meu), mais que a ausência, sinto muito o não poder compartilhar. A gente, quando junto, sempre tinha "ares" de novidade. Coisas para fazer, para contar, para acontecer. Acho que com a tia eu descobri - aprendi ou me dei conta - dessa tal palavra que escolhi para este blog. Com ela fui muito, muito intenso. A intensidade estava presente em tudo. Não só nas descobertas, mas nas oportunidades proporcionadas, nos momentos dos mais diversos e sinceros. Possíveis e impossíveis.
Tia Fátima, no dia em que nos deixou, pegou todo mundo de surpresa. Para nós não era hora. Nunca seria. Mas para ela sim. Estava agendado, sem ninguém saber. Não que ela soubesse. Só que ela foi deixando tudo no jeito. Foi sem deixar muitos materiais. Bens. Para nós, deixou aquilo que dizem que também se leva. Deixou-nos aquilo que ela muito levou: vitalidade. Outros bens. Bem viver, bem gostar...
Das dezenas de coisas que fazem parte da minha coleção sobre a tia, três músicas são especiais. Canções que ela tanto gostava e que me conectam a ela - imediatamente - quando as escuto. A primeira, "Hino ao amor", dizia da presença deste sentimento na vida dela. Um misto, para nós, da demonstração constante da sua benevolência e da sua constante espera pelo encontro com o outro. Que para ela tinha nome. Como nós sabiamos. E como ela nos (me) ensinou.
As outras duas embalaram muitos churrascos e festas na "casinha feliz", como chamávamos sua casa, lá na rua Marechal Floriano. Músicas de uma melodia "não muito alegre", mas que sempre soaram felizes para mim. "O bêbado e a equilibrista" e "barracão de zinco".
Ambas também foram cantadas num lindo entardecer, no dia do enterro da tia. Como ela gostaria que fosse, creio. Um instante de muita emoção, comoção. E beleza, acho.
Eu que tanto gosto de um pôr-do-sol - algo que já relatei aqui tantas vezes -, nunca deixo de pensar naquele poente. Marcou uma transição. Foi passagem. Minha. Nossa. Não trouxe exatamente a noite, mas me afirmou que é na variação das luzes que optamos por aquilo que realmente nos ilumina.
4 comentários:
Coisas "engraçadas" acontecem quando estamos em sintonia.
Hoje acordei e entrei no seu blog, enquanto lia esse tão sincero texto Tia Izar nos ligava para falar dele.
Ontem a noite resolvi fazer uma daquelas faxinas nas gavetas e armários e quando fazemos isso acabamos relendo cartas, cartões, revendo fotos e etc...Umas das cartas que reli foi a que vc escreveu no meu niver de 15 anos.....o dia especial aquele.
Reli também um poema que escrevi pra Tia assim que ela se foi e sabe que não fiquei triste? Isso que vc diz no texto é verdade: a gente aprende a transformar o sentimento.
O que ficou foi uma imensa felicidade por ter vivido tudo aquilo e uma imensa graditão à ela e à Deus por nos ter permitido tamanha alegria.
É muito gratificante a constatação de que as obras permancem e "intensas" mesmo após a partida do ser humano. O seu testemunho, real e "intenso", nos remete a uma época em que a gente via estampada nos olhos de cada jovem, a admiração que sentia pela Tia Fátima. O poder de aglutinação que ela tinha era simplesmente fenomenal. Todos aguardavem ansiosamente o momento de se encontrar naquele ambiente saudável, amigo e de muita esperança no amanhã, não importando o local e sim a satisfação que a companhia da turma proporcionava a cada um. Muitos jovens tiveram, deste convívio sadio, grandes contribuições para sua formação pessoal, com verdadeiras lições da importância da amizade, do companheirismo, da honestidade e da retidão de princípios. A manutenção de amizades verdadeiras mesmo depois de sua trágica partida é uma prova disso. Todos ainda se comunicam e falam com saudes do tempo da Tia Fátima. Valeu Fred. Sua lembrança foi algo de muito especial e só alguém com a sua sensibilidade poderia retratar tão fielmente uma situação que, embora muitos não percebam, ainda está muito viva entre todos nós. Grande abraço. Tio Silvestre
Fred, sem palavras...
Você me fez lembrar de coisas tão boas... Da ansiedade de um fim de semana chegar... Da alegria de todos os nossos reincontros. Da tristeza quando vocês iam embora.
Nossas saídas. Das madrugadas acordado conversando lem casa. Sítio Jacomé...
Ela era fantástica mesmo. Acho que nossas vidas seriam carinhosamente mudadas de alguma forma se ela estivesse conosco. Algumas coisas iam sair diferente como ela sempre fazia.
Não sei me expressar em texto, mas te falo que as heranças que ela me deixou, eu prometi no dia em que ela partiu, que eu iria cultivar para sempre.
Isso inclui a nossa amizade, Fred.
Muita saudade!
abraço
Fiquei sem palavras.
obrigado. muito.
beijo e abraço.
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