maio 30, 2010

não sou crítico de cinema

"I see. And did Hanna Schmitz acknowledge the effect she’d had on your life?"

Esta frase está em uma das últimas cenas do filme O Leitor (The Reader), quando o personagem de Ralph Fiennes vai aos Estados Unidos entregar uma quantia em dinheiro para uma ex-prisioneira de um campo de concentração da Segunda Guerra Mundial. Não vou entrar em detalhes sobre o contexto dessa entrega, mas me prender, apenas, à pergunta que a personagem Ilana faz a Michael.

Na semana que passou, após um dia em frente do computador, resolvi ver um pouco de televisão. Quando liguei a TV, já passando das 23h, estava começando a exibição de O Leitor. Acabei vendo tudo. Pela terceira vez. E dormi com a frase acima na cabeça. Lembrei de coisas que pensei quando a escutei pela primeira vez. A frase, creio, sintetiza muita coisa do filme. É seu propósito, talvez: perguntar. Algo que está exposto indiretamente no seu cartaz, impressão que guardo comigo desde quando o vi no cinema .


No cartaz, o personagem Michael aparece enquanto jovem e depois como adulto. Cresce. Mas traz consigo a mulher que o marcou no passado. Esta, fisicamente, sem mudanças. Refletindo, em imagem, sua presença "cristalizada" na temporalidade da vida do personagem. Na duração do que eles viveram em um só verão. Só eles. Pouco tempo, que pode marcar uma vida. Com lembranças, com recordações, mas também com consequências. Isso diz  O Leitor.

É aí que eu gostaria de chegar. No que a pergunta que inicia esse post me indica. Quando a escutei novamente, pensei no peso de certas experiências que vivemos e no lastro que elas nos trazem. Mais que isso, pensei na fragilidade que temos frente a situações que nos despertam, mais que a racionalidade, o sentimento.

Não porque não sabemos lidar com os sentimentos. Mas porque, muitas vezes, eles surgem de contextos cujas explicações prontas, lógicas, padronizadas, não dão conta de explicar. E quando, por isso, buscamos a razão para entender tudo, não há enquadramentos possíveis. Escapamos às molduras. Coisa que, às vezes, nem o tempo consegue trazer. O que também não é uma regra.

Quem não viu o filme, talvez só consiga dimensionar o que digo pela leitura da influência de uma pessoa sobre a outra. Só que, mais que isso, há em O Leitor a presença de aspectos históricos, geracionais, de gênero. Há o conflito do que há de mais humano e agregador - o amor - com o que há de mais humano no sentido da complexidade, o choque pelo desajuste do comportamento, do individual e do coletivo. Dos valores e da razão. Desse "algo" que é nossa mente. Não há no filme um convite ao maniqueísmo, ao julgamento entre o bem e o mal, mesmo ambos estando presentes. Mas há o conflito daquilo que não se explica por meio de uma simples resposta. 

Por isso, volto a dizer, dormi com uma pergunta na cabeça. Com o retorno dela à minha mente. E com a sensação boa que sinto quando assisto a filmes que me fazem pensar, que me fazem metaforizar algumas coisas. Ou me transpor a elas. Geralmente, não gosto muito da dúvida. Talvez porque ela muito me incomode. Mas em O Leitor, é ela que prefiro. É ela que aceito. Ela simboliza certezas que este filme me passa e busca passar. Não no sentido do que é certo ou errado. Nem do esclarecimento de uma questão. Em O Leitor, sou (somos) permitidos a ler. Sou (somos), também, convidado(s) a escrever, a falar. A significar as coisas da gente.

Essa semana eu falei do papel da linguagem em nossas vidas. Talvez porque esteja contaminado por certas leituras (bibliográficas) que ando fazendo. Nesse sentido, a leitura de O Leitor nada mais é do que a provocação por uma leitura outra, nossa, perante as situações dipostas pelos entremeios do que vivemos. Por uma busca constante de resoluções ao que nos habita e nos envolve.

Fica do filme, para mim, a assertiva de que nem tudo, como sabemos, possui uma solução. Uma compreensão ou esquecimento. Mas a tudo pode-se algo perguntar. E, ao tempo, às vezes, é preciso verbalizar. Dar o direito, pessoal, de dizer e compartilhar. Não a todos, é verdade. Assim termina o filme: narrando. Quem vê a última cena, logo após aquela que traz a pergunta que abre este post, entende isso.

2 comentários:

Bruno Bini disse...

Muito legal!

crisvisouza disse...

Muito bacana seu texto Fred...muito mesmo!
Bom quando a gente se encontra nessas histórias!