setembro 06, 2010

calendário

"Os acontecimentos necessitam de intervalos significativos entre si. Não se devem acumular como se fossem mercadorias medíocres, os acontecimentos não são coisas medíocres, são coisas valiosas [...]" (Gonçalo M. Tavares. A máquina de Joseph Walser. Ed. Companhia das Letras)

Há fases - para não dizer rotinas - nas quais nos sentimos como que sem tempo para nada. Nem para os outros, nem para ninguém. Assim cremos e assim agimos, comprando a naturalidade do acúmulo para nós. Natural estar muito atarefado, natural estar fazendo um monte de coisas, natural se envolver em uma série de compromissos, natural vivenciar múltiplas situações concomitantes. Natural "dar conta disso" (capacidade) sem "se" dar conta disso (compreensão).

Há outras fases, por isso, que nos impelem à transitividade do verbo. "Dar-se" conta. E estas vem não pela marca da rotina, mas por aquilo que a desconserta a um ponto extremo. Nela, uma só coisa, um só "algo" pode vir e... pronto... Surge como aquilo que nos punge, que nos fere e nos obriga a parar. Por um instante ou por dias (meses, até anos!), não importa.

Hoje, ao ler as palavras do Gonçalo M. Tavares, fiquei me perguntando: e quando acontece tudo de uma só vez? Quando um acontecimento (nesse sentido mesmo, da necessidade do intervalo) vem acompanhado de outros de impacto próximo? E (me) respondo: passa a não haver uma pausa entre um e outro, mas a formação de um (só) novo acontecimento, que por outro tipo de acúmulo, pode fazer pausar uma trajetória inteira, maior.

Aí, quem antes não tinha tempo para nada, ou fundava-se na crença do viver plácido que a tudo chama por natural ou normal, passa a mendigar que o tempo seja outro. Largo na sabedoria da passagem e curto na dor que o inesperado solicita pelo sentido não dado. Este, difícil de alcançar. E que, por ardiloso, grita em eco de auto-imagem revelada. Reflexividade.

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