setembro 08, 2010

o sobre

Relendo meu post de dias atrás, lembrei-me desse poema que eu sempre lia com os alunos nas aulas de fotografia.

O fotógrafo

Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada a minha aldeia estava morta.
Não se ouvia um barulho,
Ninguém passava entre as casas.
Eram quase quatro da manhã.
Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive visões naquela madrugada.

Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim
No beiral de um sobrado.
Fotografei o perfume.

Vi uma lesma pregada na existência
Mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.

Vi ainda um azul-perdão
no olho de um mendigo.
Fotografei o perdão.

Olhei uma paisagem velha
A desabar sobre uma casa.
Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre.

Por fim enxerguei a
Nuvem de calça.
Representou para mim
Que ela andava na aldeia de
Braços com Maiakovski
- Seu criador.
Fotografei
A nuvem de calça

E
O poeta.
Ninguém-outro poeta
No mundo faria
Uma roupa mais justa
Para cobrir
A sua noiva.

Manoel de Barros

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